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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Parada Gay mudou o foco?

Walcyr Carrasco (Foto: reprodução)

Quando surgiram, as paradas gays pretendiam dar visibilidade às lutas pelos direitos homossexuais. Domingo, dia 9, aconteceu a 16ª edição carioca, a mais antiga no país. A de São Paulo foi em junho. Outras aconteceram durante todo o ano e até dezembro mais algumas estão previstas em lugares tão diferentes como Rio Branco, Maceió e João Pessoa. Mas acho que perderam o foco. Tornaram-se uma espécie de micareta com a bandeira do arco-íris. Comecei a formar minha opinião há uns dois anos, ao conversar com um amigo. Anteriormente casado com uma mulher, os filhos já adultos, foi um dos primeiros conhecidos a firmar no papel sua união com o companheiro de muitos anos. Certa ocasião, convidou o filho já adulto para a Parada paulista. O rapaz, heterossexual, espantou-se diante dos trios elétricos repletos de go-go boys dançando de corpos à mostra.

– Pai, é esse seu universo?

Intelectual, avesso à vida noturna, meu amigo tomou consciência de que o evento pouco revelava de sua realidade pessoal. Pelo contrário, a distorcia.

– Fiquei sem jeito diante do meu filho. A Parada reforça uma visão estereotipada do gay, com o som de balada e os rapazes atléticos dançando. Minha vida não tem nada a ver com isso!

Meu amigo é radical? Fiquei imaginando o que seria uma parada hétero em moldes idênticos. Trios elétricos, som de raves. Dúzias de garotas seminuas pulando enlouquecidas, silicones à mostra. Ser hétero é se relacionar com strippers? Também. Mas isso se refere somente a uma parte específica do comportamento hétero. Então, por que os gays têm de ser conectados por fileiras de go-go boys?

Conhecido por assumir sua homossexualidade em rede nacional no programa Big Brother 8, o psiquiatra Marcelo Arantes esteve na edição carioca. Crítico, questionou em sua página do Twitter:

– Qual é a visibilidade política que a aparência de tumulto traz?

Há também críticas sobre sua mercantilização. Organizadas por entidades diferentes em cada local, todas as paradas seguem um modelo comum: a “venda” de espaços, além do recebimento de patrocínios. Para colocar um trio elétrico, o cliente paga. Mostrar sua marca também custa.

– Entre aluguel de espaço, estrutura, segurança, não se gastam menos de R$ 60 mil, diz André Fisher, do site Mix Brasil e da revista Júnior, ambos destinados ao público gay.

Os eventos são um sucesso. Mas reforçam uma visão estereotipada do homossexual

– Agora só vou como convidado, afirma Fisher.

Comparecem em peso as ONGS e entidades de classe, que não pagam. É justo. Na carioca, havia até um carro dos “Trabalhadores de Telemarketing” e outro dos “Enfermeiros”.

Os eventos são um sucesso, apesar da disparidade das estimativas numéricas: segundo um observador, a do Rio de Janeiro teve 300 mil participantes. De acordo com os organizadores, 1,5 milhão. Sem problema! Estimativas diferentes das oficiais costumam ser comuns em passeatas e eventos de todas as categorias. Também não se pode negar sua importância na conquista de direitos. Desde seu começo, o Movimento Gay ganhou mais visibilidade. Certa época morei no centro de São Paulo, em frente à Praça da República, onde ela se encerrava. Era impressionante o número de famílias com crianças que participavam e, por meio desse contato festivo, tornavam-se mais abertas às questões da diversidade sexual. Justamente por isso, propostas como a recente tentativa do vereador Carlos Apolinário (DEM-SP) de retirar a Parada Gay da Avenida Paulista são fortemente contestadas pela Associação da Parada, de São Paulo. Apesar de lutar para manter a visibilidade geograficamente, os organizadores das paradas não conseguem evitar que elas se transformem em grandes festas, com uma perda sensível dos objetivos iniciais.

Não nego que a violência continua grande no país: os assassinatos e ataques físicos a homossexuais estão aí para provar. Mas a conquista de direitos como a união estável e a adoção de crianças evidencia que a sociedade está mais permeável à aceitação. As paradas em si estão perdendo o fôlego. Seu destino ameaça ser o de qualquer atração turística. Simples curiosidade. Ei! Isso seria o contrário do que todo gay, lésbica ou transexual deseja provar desde sempre: que não são curiosidades.

– A Parada carioca deveria ir para a Sapucaí!, propôs o psiquiatra Marcelo Arantes.

Terminar no sambódromo – ou nos endereços equivalentes em outras cidades – tornará as paradas definitivamentes ocas. Será o triste fim de um movimento que começou político e terminará devorado pelo próprio sucesso.

FONTE: REVISTA ÉPOCA

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