PARA: Papai Noel
Querido Papai Noel,
Primeiro, eu quero pedir desculpa por mandar esta carta muito tempo depois do natal. Espero que o senhor me entenda e atenda meu pedido.
Olha, Papai Noel, não lhe escrevi antes porque eu sei que toda criança enche seu saco com pedidos de brinquedo e, como o senhor já tá velhinho, com barba branca, não ia ter tempo para conseguir meu presente. Por isso, eu preferi mandar minha cartinha para um homem aqui do meu Estado, que também tem barba, mas só que a dele é preta. Sabe, Papai Noel, no ano passado, ele aparecia toda hora na TV, fazendo um montão de promessa. Aí eu achei que ele ia atender meu pedido molim, molim. Só, Papai Noel, que já passou muito tempo e neca de pitibiriba! Teve até uns coleguinhas meus que ficaram tirando onda da minha cara, dizendo: “Ei, Maria Cândida, tu é besta, perder tempo escrevendo para esse homem de barba preta. Se ele nem tá dando conta de atender os pedidos dum monte de homens que só vivem puxando o saco dele, imagina se ao menos ele vai se dar o trabalho de ler essas besteiras que tu, uma menininha negra, pobre, tá pedindo.
Sabe, Papai Noel, eu acho que esses coleguinhas meus ficam caçando conversa porque não viram aquela fotozona colorida que tem num prédio lá na Frei Serafim, perto da Miguel Rosa. Só o senhor vendo, Papai Noel: o homem de barba preta sorrindo, rodeado de crianças e abraçado com uma menininha negra como eu.
E tem outra coisa: esses coleguinhas meus faltaram à aula, no dia que a professora falou na sala que agora as mulheres tão mandando no nosso Estado: tem bem umas dez que vão ser deputada. É verdade, Papai Noel, essas mulheres são tão poderosas que os maridos delas - que também já foram deputados - não quiseram mais disputar o mesmo cargo.
Papai Noel, sabe por que eu acho que o homem de barba preta gosta de pobre? Porque ele chamou um homem que não é rico para ser secretário (meu pai conhece esse homem e disse que ele é sério e sabe muito dessas coisas de lei). Aí eu escutei meu pai dizendo: “Pobre do Paulo Ivan, não sabe em que boca tá se metendo.”
Papai Noel, agora que eu já expliquei tudinho pro senhor, vou escrever meus pedidos (se o senhor não conseguir, vê se pelo menos dá uma satisfação, porque é muito feio deixar uma criança sem resposta!).
- Papai Noel, eu quero que o senhor consiga um cargo bem bom para minha mãe, para ela ganhar muito dinheiro e muitas diárias (eu acho que não vai ser difícil porque ela sabe muitas coisas. Já fez um montão de cursos: mestrado, doutorado... e dá aula lá na Universidade). Pra falar a verdade, eu acho que minha mãe (e um monte de colega dela da Universidade) não foram chamadas para o governo porque elas não entendem muito de futebol, pois foi o próprio homem de barba preta quem disse que os cargos seriam ocupados por técnicos preparados...
- Papai Noel, eu também queria muito que meu pai ganhasse um salário melhor. Sabe, Papai Noel, ele é concursado, faz tudo direitinho, nunca roubou, mas o salário dele é uma merreca (não sei se vai ser fácil para o senhor conseguir, porque meu pai não é filiado a partido político, não tem ficha suja e não é mulher de deputado – e nem podia ser, porque ele é homem, né?)
São esses os meus pedidos, querido Papai Noel.
Obrigada.
Maria Cândida.
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