Elas, Madalenas', do fotógrafo Lucas Ávila, retrata o universo das trans
Raíssa Lopes - Belo Horizonte (MG)
Travestis, transexuais, drag
queens, transformistas... Todos estamos acostumados a vê-los à noite. Mas, por
quê? O questionamento e a curiosidade sobre o tema levaram o fotógrafo e
jornalista Lucas Ávila à criação da exposição “Elas, Madalenas”, que fica em
cartaz de 9 a 29 de abril no Memorial Minas. A mostra reúne imagens que
retratam o dia a dia das pessoas trans de Belo Horizonte e pretende
desmistificar a ideia de que elas estão sempre ligadas ao sexo e à
prostituição.
As fotografias são resultado
de três anos de pesquisa e convivência do artista com transgêneras de diversas
idades, profissões e classes sociais. “No início, meu projeto daria
visibilidade somente às travestis, então fui falar com Nero, trans lendária na
cidade que possui um salão na Galeria do Ouvidor. Segundo o dicionário, Nero se
enquadraria totalmente nessa definição de ‘travesti’, mas quando cheguei lá,
ouvi ‘eu não sou travesti’. Perguntei qual definição deveria usar e a resposta
foi ‘não sou ele nem ela, eu sou Nero’”. Lucas conta que esse momento foi
extremamente importante para que entendesse melhor questões relacionadas à
identidade de gênero e classificação. “Deu aquele ‘click’. Pensei ‘quem sou eu
para falar que Nero é travesti se nem ele se reconhece assim?’”, declara.
A realização de “Elas,
Madalenas” foi possível a partir de financiamento coletivo online. Orçada em
R$6.500, três dias depois de lançada já havia alcançado o valor necessário.
Após 25 dias, recebeu R$10.830. Mesmo com todo apoio dos internautas, Lucas
encontrou resistência dos museus da capital.
“Fiquei um ano tentando arrumar lugares para expor. Tentei em todos
possíveis, e era sempre a mesma resposta. Os espaços culturais de BH são
engraçados: ou são muito caretas ou dependem de lei de incentivo. Recusavam meu
trabalho porque sabiam que daqui a dois meses chegaria um projeto custeado pela
lei e que pagaria muito mais a eles do que eu poderia pagar”, afirma.
Somente depois de entrar em
contato com o Núcleo de Diversidade de Gênero da Secretaria Municipal de Educação,
que promove parcerias com alguns centros culturais da cidade, o jornalista
conseguiu locação para a mostra. “Nunca quis expor esse trabalho apenas para
pessoas e lugares abertos ao tema. Queria dialogar com o público conversador,
sabe? Ver a minha avó lá. E acho que nada mais conservador que a Praça da
Liberdade”, explica Lucas.
Militância
O jovem menciona que depois
de se aproximar do universo das transgêneras percebeu o quanto o grupo era
marginalizado. “Eu achava que o morador de rua era o que mais sofria com
preconceito, mas não, é a travesti. Vivemos em um sistema capitalista e para
elas nem boa condição econômica é sinal de valorização. As travestis ricas
sofrem a mesma discriminação das que moram na rua”, relata Lucas, que se tornou
militante da causa.
Ele chama a atenção para a
expectativa de vida das travestis - de 35 a 40 anos - e afirma que as
instituições não estão preparadas para acolher pessoas trans. “Se nasci com uma
condição e quero manifestá-la, sou banida da família, da escola, do mercado de
trabalho. O que me resta? Prostituição, tráfico de drogas ou salão de beleza. E
se eu não tenho talento como cabeleireiro?”, questiona.
A partir do seu trabalho, o
fotógrafo deseja que a transgeneridade seja vista com naturalidade. De acordo
com Lucas, são fotos que mostram pessoas trans em casa, varrendo o chão,
executando tarefas cotidianas comuns a todos. A vida de uma travesti que é professora
de tênis na UFMG e de outra que adora caminhar pelo Parque Municipal fazem
parte do acervo.
"Elas, Madalenas"
O nome é uma tentativa de
provocar o pensamento crítico dos espectadores. Segundo Lucas, a personagem
bíblica Maria Madalena sempre foi estigmatizada, assim como as pessoas trans.
“Ela é a pecadora, a apedrejada, mas a Bíblia a reconhece como santa. As
transgêneras também são vítimas do desconhecimento, presas a um estereótipo que
não existe”.
Serviço
A exposição fica em cartaz
de 9 a 29 de abril, com entrada gratuita. O Museu Minas (Praça da Liberdade)
abre todas as terças, quartas, sextas e sábados, das 10h às 17h30, quintas das
10h às 21h30 e domingos, das 10h às 15h30.
Fonte: Brasil de Fato